O prédio mais sustentável de São Paulo agora é precursor de “gentilezas urbanas”

Era um prédio muito engraçado, que tinha espelhos e tinha tudo. No gramado, pufs para quem quisesse sentar. No jardim mesas de piquenique eram escritórios e redes de pedacinhos de madeira viravam cantos de reflexão. No subsolo, nada de lixo, uma horta com hortaliças verdinhas, muitas bicicletas, uma lava-roupas do futuro e um monte de papéis e plásticos arrumadinhos.

Descrevendo assim, o lugar parece ter saído da imaginação do cineasta Burton, de tão fantástico que é. Limpo, organizado, gentil, democrático e, principalmente, sustentável. Mas que lugar é esse?

Fincado em plena avenida Faria Lima, no coração de São Paulo, está o Pátio Victor Malzoni, um edifício com três torres, 20 andares de salas e mais seis andares de subsolo. Inaugurado em 2012, ele é reconhecido pela sua eficiência em arquitetura e sustentabilidade.

Fui visitar e ver de perto o novo conceito que vem sendo disseminado pelo Instituto Bandeirista, braço de sustentabilidade e preservação de patrimônio histórico do Malzoni, o de “Gentilezas Urbanas”. E fiquei impressionada como ações tão simples podem ter tanto significado para a sociedade em que vivemos.

Drica Lobo e Flávio Engel, que comandam o Instituto e assinam todo o projeto de sustentabilidade e preservação do patrimônio histórico do terreno onde o Pátio Victor Malzoni está instalado, nos receberam para tour que começa no subsolo do prédio. Sinalizado, ilustrado com mensagens de conscientização ambiental, o caminho é feito também por estudantes de diferentes idades.

A visita explicativa é sobre como todo os resíduos gerados no edifício são reciclados. E o melhor: ali mesmo, no subsolo. Papéis, plásticos, vidros e latas vão para containers que já têm donos certos, as associações de catadores devidamente cadastradas.

Ao todo, das 55 toneladas de resíduos geradas por mês, no edifício, 50% é reciclada ou vira adubo, conforme dados da Fundação.

Restos de alimentos vão para uma miniusina de compostagem, que de tão bem trabalhada e cuidada não exala odores, pelo contrário, o pó de serragem que faz os alimentos virarem adubo e fertilizantes deixa um aroma amadeirado no ar.

“O que a usina de compostagem gera serve como adubo para todo o jardim do prédio e para a horta orgânica que cultivamos aqui. Além disso, separamos saquinhos de cinco quilos para que as pessoas que trazem o lixo de casa e separam nas nossas coletoras, levem para casa e cultivem suas próprias hortas e jardins”, explica Flávio.

Manjericão, couve, coentro e mais uma variedade de hortaliças nascem viçosas mesmo onde o sol não chega, graças ao adubo e à luz artificial. Colhidas, elas são doadas para quem trabalha no edifício.

O tour segue e passa pelo bicicletário, com quase 200 bikes estacionadas, que tem como suporte uma lojinha que vende acessórios, aluga bicicletas e faz reparos nas possantes. Um vestiário com chuveiros e maleiro completa o incentivo para quem vem trabalhar pedalando.

Dali seguimos o caminho, pintado no piso, para alcançar a central onde está o sistema de reuso de água, que permite a coleta de água da chuva e do lençol freático, água de condensação (ar condicionado) e água cinza (pias e lavatórios de banheiros) para abastecer os vasos sanitários, mictórios e regar do jardim. A água passa por tratamentos e está prontinha para ser usada de novo. Uma economia de mais de 30% na conta de água mensal do edifício.

Depois subimos tudo de volta e alcançamos o piso térreo, onde uma imensa área verde, com a Casa Bandeirista, do século 18, devidamente preservada, seduz quem trabalha e visita o edifício. Ali lazer, relax e trabalho se misturam bem ao estilo dos millennials, compatível com o prédio que abriga a sede do Google em São Paulo.

“Aqui, colocamos esses pufs para quem quiser sentar. Mesmo pessoas que não trabalham no edifício podem vir e relaxar. Chamamos isso de Gentilezas Urbanas, uma forma de interagir simpaticamente em sociedade. O mundo anda muito individualista e nossa proposta é pensar no coletivo”, esclarece Flávio.

Se é para ser assim, ficamos então com a lição de que somos inteiramente responsáveis pelo que geramos de resíduos, de bem e de mal. E que a mesma boa ação repetida e replicada várias vezes pode mudar muito mais do que o nosso jardim, pode contagiar um bairro inteiro ou até uma cidade.

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