Rappers de Manaus lutam para fortalecer cena local e levar rimas do Norte para todo país

Foto: Divulgação

O rap é um estilo musical que ganha cada vez mais destaque no cenário nacional – ou, na verdade, em parte dele. Concentrado no eixo Rio-São Paulo, pouco se ouvem as rimas cantadas “de cima”, do Norte do país. Em Manaus, há pouca visibilidade não só fora, mas, sobretudo, dentro da cidade.

O desafio é motivação diária de artistas da capital na luta para fortalecer a cena e tornar Manaus referência também no rap. É sonho diário vivido pelas irmãs Lary Go & Strela, pelo rapper Victor Xamã e pela rapper Cida Ariporia. No aniversário de 349 de Manaus, eles falaram sobre o ato de resistência em fazer o ritmo se consolidar na cidade.

Começos

No bairro Santa Etelvina, Zona Norte de Manaus, estão as irmãs Lary Go & Strela. A segunda, teve um primeiro contato com a cena ao começar a fazer grafite em 2011. A primeira, começou a participar das famosas “batalhas de rima” pela cidade em 2014. Foi “paixão à primeira vista”.

“Participei de um grupo chamado ‘Família Periférica’, com rappers do Santa Etelvina. Nós nos separamos depois de um tempo. Ainda cantei com um amigo, mas não deu certo. Foi quando chamei minha irmã para cantar as músicas que eu tinha escrito em um evento. Foi quando começamos a dupla e não paramos mais”, disse Lary Go.

Lary Go e Strela já tiveram a oportunidade de se apresentar três vezes no palco mais famoso de Manaus, o Teatro Amazonas. A primeira vez trouxe uma nova oportunidade para as irmãs rappers que, até então, só tinham se apresentado em bailes: levar a rima feminina a novos e maiores públicos.

“Fomos convidadas para participar de um evento que ia somar várias mulheres de Manaus, de vários estilos musicais. Nós representamos o rap. Depois disso surgiram vários outros convites para cantarmos em outros lugares, porque até então, só contávamos em eventos ‘underground'”, comentaram as irmãs.

O rapper Victor Xamã rima desde pequeno. Aos 12 anos, ele conheceu o grupo Racionais MCs, Black Alien e decidiu que queria participar do cenário. Ele então começou a fazer as suas rimas e procurou aprender a fazer as batidas para as músicas.

“A princípio tive dificuldades de me incluir no meio, mas tudo vai do seu caráter, talento e força de vontade. O público reconhece um bom talento e daí é buscar, levar o som para as pessoas”, comentou Xamã.

No bairro Mutirão, Cida Ariporia já faz rap há 15 anos. Segundo ela, tudo começou em um Centro de Convivência do bairro, conhecido como “Ara”. Ela se reunia com outras pessoas no local para estudarem e descobrirem mais sobre o estilo musical.

“Tinha gente que dançava, tinha gente que já tinha uma identificação com as rimas e cantava, tinha a galera do grafite. Estávamos em contato com a juventude da área. As pessoas passavam por ali e se interessavam a saber o que era aquilo. Quando vimos, muitas pessoas do bairro já estavam participando”, lembrou Cida.

Foi aí que entrou em cena uma das ferramentas mais importantes do rap: a inclusão social. Cida se aprofundou no assunto e buscou levá-lo para a “quebrada” onde vive. Ela passou então a fazer rimas e compartilhar a cultura com as pessoas do local em oficinas de rap.

“Nós dávamos oficinas de todos os elementos da cultura hip-hop. Desde o rap, ao grafite e break dance. Foi algo bem orgânico, porque nós que ensinávamos, não tivemos ninguém que nos ensinasse. Digo que o rap me escolheu para essa missão”, disse Cida.

Rimas que empoderam

Na maior parte das suas rimas, Lary Go e Strela buscam levar a realidade do que vivem. Por serem mulheres, elas contam que buscaram mostrar que as “manas” também podem rimar e estarem ativas no cenário do rap manauara. Entrelinhas, levam a mensagem que a mulher pode estar onde ela quiser.

“Nós procuramos enaltecer as mulheres. Ouvimos tantas músicas por aí que nos diminuem, com palavras de baixo calão, que mulher é isso e aquilo. Por que não enaltecer?! Falamos da força e autonomia que temos”, comentaram.

O rap tem em seu DNA mundial a abordagem de periferias. Em Manaus não é diferente. Lary Go & Strela contam que moram em uma periferia da cidade e também buscam mostrar esse lado em suas rimas.

Cida já participou de um grupo dominado por homens e, depois, formou um grupo de rap com outras mulheres. A mensagem que buscavam passar? o empoderamento feminino e que as mulheres precisam se impor.

“Quando cantávamos, nós [mulheres] sempre ficávamos na condição de backing vocal. Nunca como protagonistas. Formamos um grupo com outras meninas da cena e buscamos levar a presença feminina no rap”, comentou Cida.

Novas narrativas e sotaques

No primeiro disco de Victor Xamã, “Janela”, ele abordou dúvidas e caminhos a serem seguidos. No segundo disco, “Verde Esmeralda, Cinza Granito”, ele trouxe como tema uma conversa do verde da mata com o concreto da cidade de Manaus.

“Todas as minhas músicas têm referências diretas ao Norte, a Manaus, à àgua. Em ‘Encontro das Águas’, uma das minhas músicas, falo de opiniões distintas de dois irmãos. Eu tento retratar as regiões específicas e cantar o que eu vivo também”, afirmou Xamã.

Cida também busca retratar em suas rimas a cidade de Manaus. Para ela é essencial que o ritmo musical retrate de modo crítico o ambiente em que se vive, as experiências, além da luta por igualdade.

“Eu retrato muito as questões da minha cidade e minha origem. Eu busco trazer uma releitura de tudo isso com o feminismo. Busco levar uma reflexão quanto floresta, metrópole, as mazelas sociais. Tudo isso misturado com este pensamento, das mulheres no contexto social”, afirmou.

Incentivos e visibilidade

O rap em Manaus para as irmãs Lary Go e Strela, sobrevive com muito apoio e ajuda de quem as conhece. Elas acreditam que, quanto mais gente apoiar o cenário e buscar ajudar os artistas, o futuro épode ser mais promissor para o ritmo na capital.

“Nós começamos a nos apresentar em alguns locais. Pessoas nos viam e já nos ofereciam ajuda. Isso foi muito importante. Recentemente, recebemos a proposta de alguns alunos de uma faculdade que se ofereceram para gravarem um clipe nosso. Sempre corremos atrás de patrocínios e essas ajudas que surgem são bem importantes”, comentaram as irmãs.

Diferente do eixo Rio-São Paulo, as irmãs veem que Manaus ainda precisa subir degraus para ganhar espaço no cenário brasileiro. Segundo elas, a cidade e a Região Norte ainda têm participação tímida na cena. O que falta, sobretudo, é derrubar o preconceito que o estilo carrega.

“A mídia do rap está toda para lá. Não dão muita visibilidade para cá. Acreditamos que seja porque lá o cenário já está consolidado e tem muito mais gente pelo rap. Aqui a cultura ainda está crescendo. Têm pessoas que acham que não existe, outros fingem que não veem, outros não dão valor por acharem que é uma cultura marginalizada”, disseram.

Para Victor Xamã, o manauara ainda não tem tanto hábito de consumir o rap da Região Norte.

“Eles podem até ser grandes consumidores de rap nacional, mas vemos que ainda tem um impecílio para as pessoas consumirem o rap daqui. Mesmo assim, estamos conseguindo desconstruir com o tempo. Acho que, para você dominar o mundo, você precisa ser respeitado em sua casa. Temos que ganhar cada vez mais o respeito aqui da região”, completou Xamã.

Por conta da pouca visibilidade na mídia, do preconceito e falta de incentivo, acaba sendo natural que muitos fãs do estilo musical de Manaus desconheçam a cena do rap local e ouçam mais artistas “de fora”. Entretanto, para um estilo que confronta a realidade por essência, o que é assumir mais esse desafio, não é mesmo?

Fonte: G1 Amazonas

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