STF determina criação de plano de proteção aos quilombolas
As comunidades quilombolas conquistaram uma histórica decisão, fundamental para a proteção da vida destes indivíduos: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 742. Julgada pelo STF no dia 23 de fevereiro, reconheceu o direito à implementação pelo Estado de medidas específicas para combate à COVID diante da vulnerabilidade social das comunidades, agravada pela pandemia.
Em até 30 dias, o Estado deverá, com a participação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) elaborar o plano nacional de enfrentamento da pandemia Covid-19 dedicado à população quilombola, versando providências e protocolos sanitários voltados a assegurar a eficácia da vacinação na fase prioritária. Para isso, deverá ser constituído um grupo de trabalho interdisciplinar e paritário, com a participação de instituições do poder público e da sociedade civil organizada para debater, aprovar e monitorar a execução do plano.
A Conaq já havia alertado, desde o início da pandemia, sobre a necessidade de medidas de proteção e sobre a séria ameaça à vida quilombola com a chegada do vírus nas comunidades. E foi com informações obtidas a partir de dados públicos e da sociedade civil organizada que fundamentaram o pedido judicial no sentido de demonstrar que além do risco de contaminação pela falta de medidas preventivas, a precariedade do sistema de atenção à saúde dos municípios com comunidades, além das condições de saneamento e da maior incidência na população negra de doenças que representam comorbidades à Covid-19.
Para se ter uma ideia do tamanho da negligência, não há dados públicos sobre o número de casos quilombolas. Levantamento da Conaq, divulgado no dia 25/2, apontava 4.935 casos e 208 mortes em todo o Brasil, números que podem ser subnotificados dada a dificuldade de se obter informações oficiais. Diante disto, é relevante a decisão do STF no sentido da efetiva implementação da Lei nº 14.021/2020, relativamente ao registro dos casos segundo o critério raça/cor/etnia e a exigência de notificação compulsória dos casos quilombolas. A referida lei também previu medidas de prevenção e combate ao Covid-19 para a proteção de quilombolas, indígenas, pescadores e integrantes de outras comunidades tradicionais.
A ação também expôs que a falta de efetivação do direito à terra como um dos elementos a incidir neste contexto de vulnerabilidade ampliada, uma vez que os títulos existentes hoje não atendem a menos de 7 % das comunidades existentes e os conflitos fundiários resultantes desse cenário impediriam a adoção de medidas de isolamento. Nesse sentido, o reconhecimento da necessidade de se suspender processos judiciais relativos às discussões sobre posse e propriedade, sem prejudicar a busca por direitos territoriais, aponta o caminho certo de uma Constituição pautada pelo efetivo reconhecimento do direito à vida, à saúde e à diversidade sociocultural.