Iranduba afunda em lixo, doenças e descaso; população denuncia gestão municipal
Por anos, o município de Iranduba, no Amazonas, vive sob o impacto de um colapso ambiental ignorado pelo poder público. Enquanto o prefeito Augusto Ferraz (União Brasil), reeleito em 2024, promete soluções que nunca chegam, comunidades inteiras convivem com o mau cheiro, a fumaça tóxica, a água contaminada, estradas destruídas e doenças provenientes de um lixão a céu aberto que se tornou símbolo de abandono e motivo de revolta.
E no terceiro e último dia de celebração pelo aniversário de 44 anos de Iranduba, na última quarta-feira (10), a insatisfação da população ficou evidente quando o chefe do Poder Executivo foi vaiado ao subir ao palco para discursar. As vaias ocorreram antes do show da cantora Klessinha e se intensificaram enquanto Ferraz falava sobre ações da gestão, agradecia apoiadores e citava o vice-prefeito Robson Adriel (Republicanos) e vereadores da Câmara Municipal.
O público interrompeu o discurso diversas vezes com gritos e manifestações de desaprovação, expondo um desgaste político que reflete a crise ambiental e social vivida pelos moradores.
Comunidades rurais e urbanas de Iranduba têm denunciado problemas ambientais agravados pela falta de políticas públicas, pela precariedade na gestão de resíduos e pelo histórico de promessas não cumpridas pela atual administração municipal. O quadro, descrito por lideranças locais como “desumano” e “imoral”, expõe riscos graves à saúde pública e à natureza.
No centro da crise está o lixão do Km 6, que opera há mais de 30 anos em desacordo com a Lei 12.305/2010, que determinou o fim dos lixões até 2024. O local concentra montanhas de resíduos, fumaça tóxica, chorume escorrendo, presença de urubus e circulação constante de caminhões. O cenário que tem provocado doenças, contaminação da água, degradação de áreas agricultáveis e perda de qualidade de vida.
Segundo relatos, a Prefeitura de Iranduba não possui programas de educação ambiental, coleta seletiva ou projetos de redução de resíduos. Órgãos públicos municipais, incluindo secretarias e a Câmara Municipal, descartam os próprios resíduos no lixão.
Moradores denunciam que o município não tem estudos para implantação de um aterro sanitário, nem plano de reassentamento das famílias que vivem em área contaminada e sem acesso à água potável.

O presidente da Associação Rural da Comunidade São Francisco, André Peres, mora a apenas dois quilômetros do lixão. Ele descreve uma realidade devastadora. “Como é que vamos ter turismo com uma cidade suja desse jeito? Como líder comunitário aqui do km 6, sou cobrado pela população por aquilo que o poder público não quer que a gente cobre deles. Bilhões entram no município e a gente, no século 21, vive essa pobreza toda. Isso é inaceitável e imoral”, disse.
Ainda conforme Peres, a cidade está repleta de lixeiras viciadas, inclusive no Cacau Pirêra, e até mesmo na sede administrativa do distrito, onde nem placa de identificação existe.
A fumaça de queimadas, os urubus, a lama de chorume escorrendo, as pilhas de resíduos e o trânsito intenso de caminhões tornam o ambiente insustentável. Crianças passam pelo local diariamente para ir à escola.
A vida dos catadores é ainda mais dura: trabalham no lixão sem EPI (Equipamento de Proteção Individual), sem água, sem banheiro, sem imunização, sem qualquer apoio. Para sobreviver, levam para casa comida retirada do lixo e objetos encontrados entre os resíduos. Um ciclo de contaminação descrito como “bomba sanitária” pelos moradores.
“Os catadores vendem coisas que acham no lixo, mas aquilo está infectado. Eles acabam levando doenças para casa e ninguém sabe [dos órgãos sanitários e de saúde] porque tanta gente está doente”, afirmou o líder comunitário.
Comunidades adoecendo
No Novo Paraíso, no Km 6, o líder comunitário Benedito Leite relata que o aumento de queimadas e a proliferação de moscas têm impactado diretamente a saúde das famílias. “Meu filho amanheceu com os olhos inchados e garganta inflamada por causa da fumaça do lixão”, declarou.
Agricultores afirmam não conseguir mais plantar. Propriedades foram desvalorizadas. Os igarapés próximos estão poluídos e poços artesianos já não fornecem água potável.
“O lixão a céu aberto nos prejudica muito no verão e já polui há mais de 30 anos e ninguém faz nada”, disse Leite, que também é presidente da Associação dos Moradores e Agricultores Rurais da Comunidade São José II, no Km 5.
“E quando a gente cobra, o prefeito diz que nós somos oposição porque estamos cobrando melhorias. Somos os mais prejudicados de todo o município, que padece com aquele lixão e também com outras coisas”, completou.
O vigia do lixão, José Batista Coelho, de 64 anos, trabalha no local desde 2016. Ele está doente, com sintomas de ansiedade, cansaço extremo e teve um princípio de AVC, mas por falta de opção de trabalho continua exposto à fumaça tóxica e ao chorume diariamente em condições insalubres.

