Flávio Bolsonaro é “chefe de organização criminosa”, diz MP
Um documento do Ministério Público estadual do Rio de Janeiro aponta que o senador Flávio Bolsonaro (RJ) seria o “líder de uma organização criminosa responsável pelo desvio de dinheiro público” .
“As provas permitem vislumbrar que existiu uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, entre 2007 e 2018, destinada à prática de desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro”, diz o ofício, que foi divulgado em uma reportagem da TV Globo na quinta-feira (18). O filho do presidente Jair Bolsonaro vem sendo investigado pela suposta prática de “rachadinha” desde o ano passado.
Foram cumpridos na quarta-feira (18) 24 mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio, a seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz e a familiares de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.
Ainda segundo o documento do MP, o ex-assessor “arrecadou grande parte da remuneração de funcionários fantasmas do então deputado estadual Flávio Bolsonaro”. No entanto, “Queiroz não agiu sem o conhecimento de seus superiores hierárquicos, já que ele próprio alegou em sua defesa que retinha os contracheques para prestar contas a terceiros”.
Após a operação. a defesa do parlamentar entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso, que tramita sob sigilo, está sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Entenda a investigação contra Flávio Bolsonaro
A investigação do Ministério Público do Rio que embasou a operação de ontem contra 24 pessoas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) dividiu a suposta organização criminosa em seis “núcleos”. Todos são acusados de participar do esquema de “rachadinha” no antigo gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj. A prática, segundo o MP, configura peculato e, consequentemente, exigiu que fosse feita lavagem de dinheiro.
Veja abaixo quem está em cada núcleo investigado:
Primeiro núcleo: Fabrício Queiroz, parentes e pessoas ligadas a ele
Amigo de longa data da família Bolsonaro, o policial militar Fabrício Queiroz, seus parentes diretos e amigos mais próximos e vizinhos formam o primeiro grupo da divisão feita pelo Ministério Público. Queiroz é apontado, desde o início do caso, como o operador do esquema. Nessa nova etapa da investigação, o MP mostrou que ele recebeu R$ 2 milhões em repasses feitos por 13 ex-assessores do gabinete.
A mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, e suas filhas Nathália Melo de Queiroz e Evelyn Melo de Queiroz, juntamente com outros nove assessores, respondem pelas transações financeiras mais relevantes feitas no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Alerj.
Diversos desses assessores, segundo o MP, jamais desempenharam qualquer função pública: eram funcionários fantasmas que emprestavam nome e contas bancárias para permitir o desvio de recursos públicos, mediante retenção de uma parte do salário. Ao todo, os assessores desse primeiro grupo receberam R$ 6,1 milhões da Alerj no período analisado, dos quais R$ 1,8 milhão foram repassados diretamente para a conta bancária de Queiroz. Outros R$ 2,9 milhões foram sacados pelos integrantes desse grupo, o que sugere uma transferência em espécie, a fim de não deixar rastros no sistema financeiro.
Além da mulher e das duas filhas de Queiroz, integram esse primeiro grupo Luiza Souza Paes, Agostinho Moraes da Silva, Jorge Luis de Souza, Sheila Coelho de Vasconcellos, Márcia Cristina Nascimento dos Santos, Wellington Sérvulo Romano da Silva, Alessandra Esteves Marins, Flávia Regina Thompson Silva e Graziella Jorge Robles Faria.
Segundo núcleo: ‘Capitão Adriano’, sua mãe e ex-esposa
Apontado pelo Ministério Público, em outra investigação, como chefe do grupo miliciano Escritório do Crime, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como Capitão Adriano, é amigo de longa data de Fabrício Queiroz. Tanto sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, quanto a ex-esposa, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, foram empregadas no gabinete de Flávio na Alerj.
As duas mulheres receberam ao todo, no período em que estiveram lotadas no gabinete, pouco mais de R$ 1 milhão dos cofres públicos. Desse montante, segundo o MP, R$ 203 mil foram repassados para a conta bancária de Queiroz, “direta ou indiretamente”. Além disso, outros R$ 202 mil foram sacados por elas em espécie, o que seria uma forma de repassar o dinheiro para o esquema sem deixar rastros no sistema financeiro.
Apesar de ser tocada pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), a investigação que mira em Flávio contou aqui com a contribuição do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), já que Capitão Adriano é investigado por integrar o Escritório do Crime. Ele está foragido desde janeiro deste ano, quando foi deflagrada a operação Os Intocáveis. O ex-capitão já foi preso por homicídio. Em 2005, Flávio lhe concedeu a Medalha Tiradentes, maior honraria do Legislativo fluminense.
No âmbito dessa operação contra a milícia, o MP apreendeu conversas no WhatsApp em que Adriano fala com Danielle e com Queiroz sobre o esquema que existia na Alerj, dando a entender que tinha conhecimento dos supostos crimes. As mensagens, segundo o MP, deixam claro que Danielle era “fantasma” no gabinete.
Terceiro núcleo: parentes de ex-mulher de Bolsonaro no Sul fluminense
A família da segunda mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, foi nomeada com abundância nos gabinetes da família ao longo dos anos. No caso do esquema investigado, dez pessoas ligadas a ela são apontadas pelo MP como “fantasmas”. Antes dessa etapa da investigação, que contou com dados da quebra dos sigilos bancário e fiscal autorizada em abril pela Justiça, a revista Época já havia revelado que indícios apontavam que esses funcionários não trabalhavam, na prática, para o gabinete.
Com os dados em mãos, o Gaecc montou uma tabela que mostra como os familiares de Ana Cristina sacavam em espécie quase todo o valor recebido da Alerj, o que seria um indício de que eles eram repassados como “rachadinha”.
O pai dela, José Cândido Procópio da Silva Valle foi quem mais sacou em espécie seus vencimentos: 99,7% do valor que recebeu no período em que esteve lotado no gabinete. Outros cinco também sacaram mais de 90%. Os parentes incluem ainda uma irmã, tias e primos da ex-mulher de Bolsonaro, mãe de seu filho Jair Renan.
Quarto núcleo: policial militar Diego Sodré de Castro Ambrósio
Até então inédito nas investigações que miram o senador, um policial militar investigado por oferecer serviços ilegais de segurança pagou uma prestação, no valor de R$ 16.564,81, para quitar a compra de um apartamento feita por Flávio Bolsonaro, segundo o MP.
Diego Sodré de Castro Ambrósio pagou de sua própria conta um boleto bancário, emitido em nome de Fernanda Antunes Bolsonaro, esposa de Flávio, que ajudou a concluir a compra de um imóvel em Laranjeiras, na zona sul do Rio. Na época, em outubro de 2016, Ambrósio era cabo da PM. Hoje promovido a terceiro sargento, seu salário ainda é de menos de um terço do valor pago naquele boleto: R$ 4.771,80.
A suspeita contra Ambrósio é de que ele tenha ajudado no suposto esquema de lavagem de dinheiro de Flávio Bolsonaro. Isso porque, além desse boleto, a Promotoria fluminense também encontrou outras provas de que o PM tinha relações com o então deputado estadual.
Também em 2016, Ambrósio efetuou transferência financeiras para pelo menos dois assessores de Flávio no Palácio Tiradentes: Fernando Nascimento Pessoa, que ainda trabalha com Flávio, e Marcos de Freitas Domingos.
O policial e uma empresa em seu nome também transferiram dinheiro para a empresa Bolsotini Chocolates e Café LTDA, da qual Flávio é sócio e que também foi alvo da operação desta quarta-feira. As transferências se deram entre 2015, ano em que o político abriu a sociedade, e 2018.
A empresa de Ambrósio, Santa Clara Serviços, já foi investigada pela Corregedoria da Polícia Militar por oferecer serviços ilegais de segurança em Copacabana, na zona sul do Rio. Sugeria, por exemplo, que retiraria moradores de rua da região mediante pagamento mensal de R$ 900 por parte dos moradores.
Quinto núcleo: os chocolates de Flávio Bolsonaro
O quinto grupo do esquema criminoso, segundo a divisão do MP, envolve Alexandre Ferreira Dias Santini, sócio de Flávio Bolsonaro na empresa Bolsotini Chocolates e Café LTDA, e seria responsável por ajudar na lavagem do dinheiro desviado da Alerj.
Entre o fim de 2014 e o início de 2015, Flávio Bolsonaro comprou uma loja da franquia Kopenhagen no Shopping Via Parque, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, em sociedade com Santini pelo valor de R$ 800 mil. O sócio, no entanto, não aporta nenhum recurso significativo ao negócio. Quem faz isso é Fernanda Bolsonaro, mulher de Flávio — o que, segundo o MP, é um indício de que Santini seria um “laranja”.
A investigação levantou diversas incongruências entre receitas e despesas, mostrando que o casal não tinha o dinheiro necessário para a aquisição e operação da franquia.
O dado que mais chamou a atenção dos investigadores foi o fato de a contabilidade da loja de chocolate não refletir o natural aumento de vendas esperado na quinzena que antecede a Páscoa e a redução em outros períodos do ano.
E concluiu que, na verdade, o negócio tinha a “finalidade de acobertar a inserção de recursos decorrente do esquema de rachadinhas da Alerj no patrimônio de Flávio Bolsonaro sem levantar suspeitas”.
Sexto núcleo: empresário norte-americano e lavagem de dinheiro com imóveis
Bastante atuante em negócios imobiliários, Flávio Bolsonaro adquiriu imóveis em Copacabana que, segundo o MP, tiveram “lucratividade excessiva”, com até 292% de diferença entre os valores de compra e venda.
Esses dois apartamentos foram vendidos no mesmo dia, em novembro de 2012, por um norte-americano chamado Glenn Howard Dillard, que também teve sigilos bancário e fiscal quebrados em abril. Dillard teria um esquema com Flávio e sua esposa, Fernanda Antunes Bolsonaro, para vender ao casal imóveis com subfaturamento.
A desvalorização — cerca de 30% do valor estimado — ia na contramão do aumento dos preços de apartamentos em Copacabana naquele período, quando Rio vivia um ‘boom’ promovido pelos grandes eventos sediados na cidade.
“Essa prática de subfaturamento de registros imobiliários na compra possibilita a simulação de ganhos de capital em patamares expressivos na ocasião da revenda, razão pela qual é instrumento corriqueiramente utilizado para lavagem de capitais já catalogado pelo COAF e pelos principais organismos internacionais”, diz o MP na investigação.
Fonte: Terra