Às vésperas dos 90 anos, Fernanda Montenegro ganha fotobiografia
Nos últimos anos, Fernanda Montenegro tem feito um mergulho induzido em suas memórias.
Além de uma autobiografia ainda em construção, a atriz, de 88 anos, passou oito anos dedicada a um livro que recupera sua trajetória de vida e carreira com um rico material fotográfico, incluindo fotos inéditas, além de documentos e artigos.
Sob o apropriado título de Fernanda Montenegro – Itinerário Fotobiográfico, a publicação, com 669 fotos e 500 páginas, será lançada primeiro na Flip, no dia 27 de julho. Nesse revirar de baús, inevitavelmente, muitas lembranças especiais voltaram fortes. “Quando você vê uma foto, vem aquele elenco inteiro, aquela época, vem os teatros por onde a gente andou, as excursões que fizemos pelo Brasil, e, nessa altura da minha vida, quantos já se foram”, diz Fernanda, ao jornal O Estado de S. Paulo, em tom meio saudoso.
É como se pequenos filmes de uma vida pública de 70 anos passassem pela sua cabeça. “Trabalhei dois anos com a (atriz e diretora Henriette) Morineau. Era de uma disciplina militar, uma mulher formada na escola da Comédie Française”, recorda-se. “O próprio (diretor) Gianni Ratto. Trabalhamos tantos anos, e o que esse homem me educou não apenas na disciplina hierárquica, mas na disciplina da adesão total ao processo do próprio jogo cênico.”
Ratto tem um espaço especial na vida e carreira da atriz – e, consequentemente, em seu livro. Morto em 2005, o diretor e também cenógrafo fundou o emblemático grupo Teatro dos Sete juntamente com Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Sergio Britto e Ítalo Rossi, todos egressos do TBC. Essa parceria rendeu importantes momentos para a atriz, como em A Moratória, de 1955.
Apesar dos grandes papéis na TV – ela acabou de viver Mercedes na novela O Outro Lado do Paraíso – e no cinema (leia abaixo), foi no teatro que Fernanda se fez como atriz. E, no palco, conheceu o grande amor de sua vida, o ator Fernando Torres, com quem se casou e teve dois filhos, a atriz e escritora Fernanda Torres e o diretor Claudio Torres. No livro, há um capítulo dedicado a seu companheiro de vida. Lá estão a declaração de amor de Fernanda a ele, as fotos dos trabalhos juntos, de viagens, de cumplicidade, e os bilhetinhos que ele escrevia para a amada, até o fim de sua vida. Ele morreu em 2008. Fernanda lembra do encontro dos dois, em dezembro de 1950, no espetáculo Alegres Canções nas Montanhas. “Mas a gente se cruzava antes na Cinelândia, que era o centro cultural do Rio na época”, conta. Aliás, essa peça marcou a estreia profissional de Fernanda como atriz.
Nascida e criada no subúrbio carioca, Arlette, nome de batismo da atriz, começou no rádio, aos 15 anos. Trabalhou durante 10 anos na Rádio MEC, como radioatriz e locutora. Lá esteve à frente também do programa Passeio Literário, época em que surgiu seu nome artístico, com o qual ficou famosa. “Eu tinha de ter uma redação como Fernanda Montenegro, e, como locutora e radioatriz, eu era Arlette Pinheiro. Começou a nascer essa outra entidade ali”, graceja. Sua prima e sua irmã ainda se referem a ela como Arlette. Já Fernando sempre a chamou de Fernanda. “Ele me conheceu como Fernanda e levou a Arlette de sobra. Na verdade, levou muitas”, diverte-se.
Organizado por Fernanda – com ajuda do Sesc e de pessoas que trabalham com ela há anos, a atriz reforça -, Itinerário Fotobiográfico reúne ainda saborosas curiosidades de sua vida. Como o único poema que escreveu na vida, aos 17 anos. “Escrevi talvez porque comecei a lidar com tanta literatura na rádio, e aí me deu um negócio de fazer também um poeminha (risos).” Ou ainda a história do avô italiano que fez parte da equipe de pedreiros que construiu o Theatro Municipal, no Rio, inaugurado em 1909. “Ganho prêmio e vou receber naquele palco. Lembro dele sempre.”
No livro, a atriz queria também exaltar, nas imagens, a importância dos parceiros de palco e de cena. “Não se faz teatro sozinho, não sou concertista, teatro vive de grupo.” E, ao contar sua trajetória, Fernanda Montenegro acaba recuperando a história da dramaturgia brasileira. “É meu mundo particular. Mas estou narrando também para os filhos, netos e bisnetos, para os filhos das pessoas que não estão mais aqui”, afirma. “As fotos têm uma memória não só para quem faz um livro.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.