Tanques, aviões e rajadas de balas: terminada há cem anos, Primeira Guerra trouxe avanço inédito de máquinas de destruição

Foto: Flickr/National Library of Scotland

O conflito militar já durava quatro anos e quatro meses e, segundo as estimativas mais conservadoras, tinha matado 16,5 milhões de pessoas, entre 10 milhões de militares e 6,5 milhões de civis, além de deixar 20 milhões de feridos.

Por pouco, no entanto, Ferdinand Foch não ficou famoso quatro anos antes por fazer uma previsão, no mínimo, equivocada.

Em 1914, ao ser apresentado a um modelo primitivo de avião de guerra, daqueles em que o próprio piloto atirava as bombas que carregava no cockpit, desdenhou de seu potencial: “É bom para o esporte, mas inútil para o exército!”. Estava enganado.

“Na Primeira Guerra Mundial, a evolução tecnológica atingiu um patamar nunca antes visto”, afirma o especialista em assuntos militares Expedito Carlos Stephani Bastos, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“De mera ferramenta de observação, o avião passou a feroz caçador e, mais adiante, a temido bombardeador, capaz de causar danos irreparáveis no coração do inimigo”.

Um dos modelos mais famosos era o triplano Fokker DR-1, que levava duas metralhadoras e voava a até 185 km/h.

Ganhou o status de símbolo da aviação alemã ao ser pilotado pelo intrépido Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho.

Entre setembro de 1916 e abril de 1918, o Barão Vermelho abateu 80 aviões inimigos. Tinha por hábito recolher parte dos destroços. “Caçadores precisam de troféus”, gabava-se. Morreu no dia 21 de abril de 1918, aos 25 anos.

“Invenções do diabo”

A tempestade de aço – como alguns soldados se referiam aos bombardeios aéreos – não vinha apenas dos céus.

Os submarinos alemães, os famosos U-Boats, contavam com torpedos capazes de percorrer até 4,8 km até atingir o alvo.

“O submersível é uma espécie de navio que mergulha para atacar ou se proteger do inimigo”, explica o professor da Escola de Guerra Naval, Francisco Eduardo Alves de Almeida. “Eles recorriam a canhões para afundar navios mercantes, que transportavam comida e munição, e a torpedos para abater navios de guerra”.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha perdeu 178 dos seus 400 U-Boats. Em compensação, afundou mais de 5,5 mil embarcações.

A vítima mais famosa foi o RMS Lusitânia, que ia de Nova Iorque a Liverpool. Torpedeado na tarde de 7 de maio de 1915, o transatlântico britânico afundou em 18 minutos. Todas as 1.198 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes, morreram.

Tão revolucionários quanto decisivos como os aviões e os submarinos, os carros de combate, popularmente conhecidos como tanques de guerra, também “estrearam” na Primeira Guerra Mundial e vieram para substituir a cavalaria.

Apesar de ter sido inventado pelos britânicos, um dos modelos mais famosos foi o francês Renault FT-17. Leve, rápido e fácil de ser produzido, pesava “apenas” 6,5 toneladas, comportava até dois tripulantes e vinha com torre giratória e canhão ou metralhadora.

Avanço tecnológico

“Nas guerras, a tecnologia avança muito mais rapidamente do que na paz”, filosofa o historiador militar Carlos Daróz, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

“Um dos exemplos disso é o tanque. Uma engenhosidade capaz de se deslocar pelos terrenos mais acidentados e transpor trincheiras e arame farpado”.

Dotado de blindagem de aço, foi testado pelos britânicos em 1914 e usado em combate pela primeira vez em 15 de setembro de 1916, na Batalha de Somme.

Ao fim da guerra, 8,2 mil tanques tinham sido fabricados. Desses, 4,4 mil eram franceses e 2,3 mil britânicos.

Uma rajada de balas

Outra inovação bélica que entrou em cena na Primeira Guerra foi a metralhadora. Ao contrário dos rifles, disparava até 600 tiros por minuto. Tinha o mesmo poder de fogo de 14 soldados com rifles.

“As metralhadoras foram responsáveis por um número de baixas até então inimaginável. O homem começou a matar mais e com maior rapidez”, garante o historiador Rodrigo Trespach, que acaba de lançar Histórias Não (Ou Mal) Contadas: Primeira Guerra Mundial.

“Na Guerra Civil Americana, na década de 1860, morreram pouco mais de 200 mil soldados em quatro anos de combate. Já nos primeiros 12 meses de Primeira Guerra, o número de mortos chegou a 1 milhão de soldados”.

Para fugir da artilharia pesada, os soldados se viram obrigados a cavar buracos no chão de pouco mais de 2 metros de profundidade por 1,80 m de largura.

Nas famosas trincheiras, encaravam uma rotina para lá de insalubre: a terra se transformava em lamaçal em dias de chuva forte, infestações de piolhos eram comuns porque raramente se tomava banho e ratazanas “do tamanho de gatos” se alimentavam dos cadáveres insepultos.

Depois de passar muito tempo imersos em água ou expostos a locais frios e úmidos, uma infecção apelidada de “pé de trincheira”, quando não tratada a tempo, podia causar gangrena e levar à amputação. Só em 1914, o exército britânico tratou de 200 mil casos.

“Em qualquer operação militar, você só tem duas opções: defender-se do inimigo ou atacá-lo”, diz o general Márcio Tadeu Bettega Bergo, presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).

“A atitude defensiva nunca ganhou guerra. Só a ofensiva leva à vitória. É igual ao futebol. Você só vence quando faz gol”.

Tiros pela culatra

Muitos dos artefatos bélicos usados na Primeira Guerra tiveram que sofrer ajustes durante o conflito.

As metralhadoras são um bom exemplo. Os primeiros modelos eram tão pesados, algo em torno de 60 quilos, que precisavam ser manejados por até cinco ou seis soldados.

De fabricação americana, a portátil Lewis pesava cinco vezes menos.

As granadas, idem. Muitas não explodiam quando caíam em poças de lama ou, pior, eram acionadas por acidente quando ainda estavam nas mãos do soldado. Com o transcorrer das batalhas, ganharam detonadores mais precisos e confiáveis.

Os exemplos são incontáveis e vão desde o uniforme das tropas até tanques e submarinos.

Os franceses logo trocaram suas berrantes calças vermelhas, que podiam ser vistas a quilômetros de distância, por trajes mais discretos. Seus elegantes quepes revestidos de ferro foram substituídos por resistentes capacetes de aço.

Da mesma forma, os veículos blindados e também os submersíveis foram sendo aperfeiçoados no decorrer do conflito.

Os primeiros modelos de submarinos apresentavam, respectivamente, baixa velocidade e mergulho a pequenas profundidades. Até as estratégias de combate foram aperfeiçoadas.

“Nas guerras napoleônicas, os soldados, em grandes pelotões, marchavam lado a lado e disparavam suas baionetas todos ao mesmo tempo”, explica o historiador e ex-professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Cesar Campiani Maximiano.

“Na Primeira Guerra Mundial, isso mudou. Os combatentes, em grupos reduzidos de até dez homens, realizavam manobras militares, rastejando pelo chão, protegendo-se em árvores e empunhando fuzis e metralhadoras”.

É proibido respirar

Não bastasse o horror provocado por granadas, metralhadoras e lança-chamas, a Primeira Guerra testemunhou ainda a macabra estreia das armas químicas em conflitos de proporções mundiais.

O uso de gases tóxicos começou na Batalha de Ypres, na Bélgica, em 22 de abril de 1915. Pouco depois de aspirar uma nuvem de gás cloro, o tenente francês Jules-Henri Guntzberger viu seus homens caírem, um a um.

Enquanto uns gritavam por água, outros cuspiam sangue. Em menos de 10 minutos, perdeu 5 mil soldados. Quem não morreu por asfixia terminou cego ou sofreu queimaduras.

“Em termos de letalidade, armas convencionais são muito mais danosas que as químicas”, garante o especialista em assuntos militares, Alexandre Galante.

“Na Primeira Guerra Mundial, as armas químicas responderam por cerca de 100 mil dos 10 milhões de combatentes mortos. Ou seja, 1% do total”.

Para fugir dos gases tóxicos, soldados passaram a usar máscaras especiais ou, na falta delas, cobriam os rostos com panos molhados de água ou urina.

Um dado curioso é que nem Adolf Hitler conseguiu escapar. O futuro líder da Alemanha nazista, então mensageiro em um regimento bávaro, chegou a ficar temporariamente cego após um ataque de gás mostarda.

Terceira Guerra

Um século depois, as chances de uma Terceira Guerra Mundial são remotas, quase nulas, dizem os especialistas.

Em um cenário, apenas Rússia e China teriam condições bélicas de declarar guerra aos EUA. Em outro, um conflito de proporções mundiais pode ser deflagrado entre dois ou mais países, como a União Europeia, e um inimigo em comum, como uma rede terrorista, como a Al-Qaeda, ou uma organização criminosa, como o Cartel de Medellín.

Se a Grande Guerra durou quatro anos e quatro meses, quanto tempo duraria a Terceira Guerra Mundial? Quatro dias, talvez? Em um mundo nuclearizado como o que vivemos, poderia ser muito menos.

“O custo seria altíssimo e o resultado, inimaginável”, afirma o cientista político Lucas Pereira Rezende, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“Por essa razão, o risco de um confronto entre superpotências com arsenal nuclear é cada vez mais improvável.”

Programados para matar

Mas, e se houvesse uma Terceira Guerra Mundial, como seria? Caças seriam substituídos por drones? Soldados cederiam lugar para robôs? É provável que sim.

Alguns modelos de drones, como o MQ-9 Reaper, o mais letal deles, têm autonomia de 24 horas, atingem uma velocidade de 440 km/h e são capazes de disparar mísseis teleguiados.

Outros, como o MQ-4C Triton, têm um conjunto de sensores que permite uma visão de 360 graus em um raio de mais de 2 mil milhas náuticas. Com 39 metros de envergadura, é do tamanho de um Boeing 757. “Os conflitos militares tomaram um rumo totalmente diferente”, admite Expedito Carlos Stephani Bastos.

Quanto aos robôs, alguns modelos já são conhecidos como “Kalashnikovs do amanhã”, numa alusão ao fuzil AK-47, de fabricação russa.

Na fronteira que divide as duas Coreia, um robô-sentinela, equipado com metralhadora giratória, lançador de granadas e duas potentes câmeras com zoom e visão infravermelha, é programado para identificar alvos humanos através de um sofisticado programa de reconhecimento de voz, calor e movimento.

O temor de entidades, como a ONU e a Anistia Internacional, é que tais máquinas de guerra autônomas, daquelas que eliminam alvos sem intervenção humana, se confundam durante uma operação e matem civis em vez de militares. Ou, então, que fujam do controle e ataquem a própria tropa. Paranoia? Nem tanto.

Um caso real, registrado numa base militar da África do Sul, indica que o temor não é injustificado.

No dia 19 de outubro de 2007, um robô entrou em pane e fuzilou nove soldados e feriu 14 no Centro de Treinamento de Combate do Exército, em Lohathla.

A máquina foi desenvolvida para identificar alvos, efetuar disparos e recarregar a munição. Tudo automaticamente e sob comando de voz.

“Gostaria que não tivéssemos desenvolvido tanta tecnologia bélica”, diz Rodrigo Trespach.

O que já é motivo de preocupação pode se tornar razão para pânico se uma geringonça dessas, como o Legged Squad Support System, cair nas mãos de terroristas ou ditadores.

Desenvolvido pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA), das Forças Armadas dos EUA, o LS3, como é mais conhecido, é capaz de se locomover pelos terrenos mais irregulares, percorrer distâncias superiores a 30 km e suportar cargas de até 180 kg.

E o melhor: sem precisar reabastecer.

Fonte: G1

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